Dois em Pessoa
Dois em Pessoa, lançado em 2004, é um álbum duplo contendo 24 poemas de Fernando Pessoa musicados e interpretados por Renato Motha e Patricia Lobato. O álbum traz participações do trio Amaranto, Bob Tostes e Vander Lee.
Pequena biografia:
O poeta Fernando Pessoa nasceu em Lisboa - Portugal, em 1888.
Dos sete anos de idade até a adolescência, teve sua residência fixada em Durban - África do Sul.
Em 1905, retornou a Lisboa, onde viveu por toda a sua vida. Desde então, passou a exercer plenamente sua vocação de poeta, tendo atuado também como tradutor e correspondente estrangeiro em casas comerciais.
Pessoa também escreveu parte de sua obra em inglês e francês, e criou em torno de si diversos heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos (os principais), expressando assim toda a sua multiplicidade.
Sua obra esteve essencialmente dispersa por revistas e publicações ocasionais - seu único livro publicado em vida foi "Mensagem", 1934, premiado num concurso nacional, na categoria "poema".
O poeta faleceu aos 47 anos, em 1935, deixando-nos como herança uma obra notável, 25.426 originais guardados em sua lendária arca.
Parte de sua obra ainda permanece inédita.Considerações sobre Fernando Pessoa:
Fernando Pessoa é hoje uma referência literária capital, sendo reconhecido internacionalmente como um dos maiores poetas do séc.XX e um dos artistas mais geniais de sua época.
Sua obra testemunha uma intemporalidade quase absoluta, não havendo nela nem passado nem futuro, mas apenas um eterno-atual que é o verdadeiro tempo em que devem de fato viver os grandes imaginativos.
Fernando Pessoa por Renato Motha e Patricia Lobato:
Desde que nos deparamos com a poesia pessoana, embarcamos numa viagem sem volta, destino daqueles que se propõem a navegar por outros mares e habitar os porões de nossas velhas naus.
Quem está no leme? Quem é o nosso comandante?
Fernando Antônio Nogueira Pessoa, poeta de espírito multidimensionado, impelindo-nos a "sentir tudo de todas as maneiras", levando-nos consigo a um mundo de exortações e de encontro ao vazio.
Pessoa revisitado:
O trabalho de musicar poemas de Fernando Pessoa foi iniciado por Renato Motha e Patricia Lobato no álbum Amarelo (1998), com a música Sete véus, e mais recentemente no CD Todo (2001), com as canções A Passada, Um vôo suave e Dois lados.
O álbum:
Neste álbum foram musicados, além dos poemas assinados por Fernando Pessoa, também os de seus três principais heterônimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
As músicas foram compostas a partir de poemas que naturalmente se predispunham a serem musicados. Para que tudo soasse de maneira orgânica, foi levado em consideração a sonoridade e o ritmo já contidos nos poemas, já que os versos de Fernando Pessoa são por si só, de rara musicalidade. Conforme o que foi escrito pelo próprio Pessoa em um de seus fragmentos, "musicar um poema é acentuar-lhe a emoção, reforçando-lhe o ritmo".
Partindo da multiplicidade associada a sua imagem, este projeto também se desdobrou em álbum duplo, para poder assim mostrar um pouco mais das inúmeras facetas deste poeta maior.
CD 1 - Sambas e CD 2 - Canções, com 12 faixas cada.
Sambas - Este CD nos traz uma das mais autênticas e populares manifestações musicais brasileiras, o samba, extraído da poesia de Pessoa e de seus heterônimos. Seu humor e ironia, destilados com elegância, tornam-se deliciosos ingredientes ao tempero desses temas de pura brasilidade.
Canções - Este CD nos remete a um dos nossos gêneros musicais de maior expressão, a canção brasileira. Aqui nos serão reveladas outras faces de Fernando Pessoa, como o olhar único de Alberto Caeiro, a intensidade de Álvaro de Campos e a emoção contida de Ricardo Reis. As melodias se entrelaçam a harmonias espaçadas no tempo musical, ao ritmo dos versos do poeta.
Neste projeto em que Pessoa é revisitado, grande parte dos poemas foi musicada na íntegra, sem qualquer modificação. Porém, em alguns, foram feitos pequenos ajustes para torná-los mais acessíveis ao canto, ocorrendo ainda algumas colagens e adaptações.
A gravação:
Com fotos de Márcia Charnizon, ilustrações de Fernando Fiúza e projeto gráfico feito pela Agência Dez, o álbum duplo foi gravado no estúdio Polifonia por Wilson Brina, no estúdio Via Sonora por Demerval Filho, mixado por Ronaldo Gino no Polifonia, de junho a novembro de 2003, e masterizado em janeiro de 2004, por Bill R no estúdio Mikael em São Paulo.
O projeto contou com o patrocínio do Banco Mercantil do Brasil, através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
A produção, arranjos e direção ficaram a cargo do próprio Renato, que também tocou violão e guitarra, além de vocalizar trompete e naipe de metais.
A instrumentação é basicamente acústica: Mauro Rodrigues (flauta), Firmino Cavazza (cello), Felipe Moreira (piano), Enéias Xavier (baixo acústico), Kiko Mitre (baixolão), Nenén (bateria), Serginho Silva (percussão), e Patricia Lobato (ganzá).
Em contraponto, foram usados efeitos eletrônicos criados por Ronaldo Gino, a partir de células rítmicas editadas da percussão já gravada, para assim também dar às músicas uma textura contemporânea.
O clima Caeiro:
Destaque para os sons da natureza e do carro de bois conduzido por Hélio Borges Arantes (carreiro) e Marcotonho (candieiro), gravados na fazenda Madrugada - Campanha - MG, para dar a ambientação bucólica existente nos poemas de Alberto Caeiro.
Participações especiais:
Grupo Amaranto - As bolas de sabão
Bob Tostes - Perdido na estrada
Vander Lee - Um carro de bois
O gênio Pessoa em seu dia triunfal e o enigma da heteronímia:
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à idéia escrever uns poemas de índole pagã.
Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso.
Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis).
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro - de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade.
Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui.
Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir.
Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim.
Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro.
Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente...Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir - instintiva e subconscientemente - uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem [...].
Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro - 13/01/1935
Dois em Pessoa is the most wonderful brasilian music CD of this year. Really wonderful!
Yoshihiro Narita ( Crítico e produtor musical Polystar Records Japan) - 29/07/2004
Palavra cantada - A música de Patricia Lobato e Renato Motha está conquistando admiradores até mesmo no Japão.
Ailton Magioli (crítico musical) - Estado de Minas - 11/08/2004
A arte de divulgar poesia usando música - O perfeito casamento das belas vozes de Motha e Patrícia é um dos trunfos de Dois em Pessoa. Bem gravado, bem cantado e arranjado, e primoroso na escolha dos temas. O álbum tem canções tocantes, a maioria flui naturalmente sobre os poemas como se tivessem sofrido o processo inverso.
Lauro Lisboa Garcia (crítico musical) - Estado de São Paulo - 12/07/2004
Poemas de Fernando Pessoa musicados por um mestre - Um trabalho deslumbrante de Renato Motha, um dos maiores talentos surgidos na cena musical brasileira dos últimos anos, juntamente com Patrícia Lobato, talentosíssima cantora. Não há outra forma de classificar Dois em Pessoa.Toninho Spessoto (crítico musical) - Jornal Movimento - 02/07/2004
Canções do poeta (eterno-atual) - Transpor para a música sensações traduzidas em forma de poesia por um artista multifacetado como Fernando Pessoa (e seus heterônimos), foi um achado de Renato Motha e Patrícia Lobato. É impressionante como a poesia pré-era nuclear do português Pessoa casa perfeitamente com a delicada música pós-bossa-nova da dupla mineira.
Hélio Franco (crítico musical) - Correio Brasiliense - 27/05/2004
A musicalidade em Fernando Pessoa - Duas belezas se encontram em Dois em Pessoa: a poesia de Fernando Pessoa e o tino melódico e harmônico de Motha. Renato e Patrícia têm vozes bonitas e que, juntas, encontram perfeita sintonia. Tanto nos sambas quanto nas baladas, a dupla faz bonito, mostrando, num primeiro momento, o que a poesia de Fernando Pessoa pode ter de lépida, bem-humorada e irônica, e noutro, o que há de densidade e lirismo nos textos escolhidos para o CD 2. Trata-se, em suma, de um trabalho de fino acabamento, a despeito de ser uma produção independente, ou justamente por esse motivo.Daniel Barbosa (crítico musical) - Jornal O Tempo - 17/05/2004
Fernando Pessoa dá samba - Surpreendente, está nos sambas a grande novidade do álbum duplo, de 12 faixas cada, Dois em Pessoa, que o casal Renato Motha e Patrícia Lobato está lançando. Autor de talento nato para compor canções, Renato caprichou no gênero, brindando o ouvinte com verdadeiras pérolas bossa-novistas.
Ailton Magioli (crítico musical) - Estado de Minas - 12/05/2004
Uma agradável surpresa de um disco que tinha tudo pra dar errado e deu certíssimo. Trata-se de uma seleção de poemas, todos muito bons, é claro, de ninguém menos que Fernando Pessoa e seus heterônimos. Poema musicado dá sempre errado, ou quase sempre, basicamente porque não foi feito para aquilo, foi feito para ser lido e não cantado, então fica sempre meio forçado, todo mundo vê que é um poema musicado. Não no caso desse excelente CD em que os mineiros Renato Motha e Patrícia Lobato transformaram em sambas e canções alguns maravilhosos poemas de Pessoa. E melhor ainda, fizeram um ótimo exercício de estilo, sobretudo no lindo samba "Estou tonto", que poderia facilmente passar como sendo de Chico Buarque, pelo alto nível de letra e pelo fraseado musical, tão integrado, que você jura que música e letra foram feitos ao mesmo tempo e pela mesma pessoa, no caso, Fernando Pessoa.
Nelson Motta (escritor, compositor e produtor musical) - Jornal JB e Sintonia Fina - 06/2005